Sogno Ad Occhi Aperti
quinta-feira, 26 de novembro de 2009
Clarice Lispector

Aquilo que ainda vai ser depois – é agora.
Agora é o domínio de agora.
E enquanto dura a improvisação eu nasço.
E eis que depois de uma tarde de “quem sou eu”
e de acordar à uma hora da madrugada
ainda em desespero
- eis que às três horas da madrugada acordei
e encontrei-me.
Fui ao encontro de mim.
Calma, alegre, plenitude sem fulminação.
Simplesmente eu sou eu.
E você é você.
É vasto, vai durar.
O que te escrevo é um ”isto”.
Não vai parar: continua.
Olha para mim e me ama.
Não: tu olhas para ti e te amas.
É o que está certo.
O que te escrevo continua
e estou enfeitiçada.”
-Trecho do livro Água Viva-
quarta-feira, 25 de novembro de 2009
A Reunião Das Vogais
Para uma das mais sérias discussões.
Disse o ‘A’ - “eu, definitivamente,
Vou provar - e que provem o contrário -
Que sou a mais bonita e a mais pungente
Das letras todas deste abecedário!
" Nervoso, disse o ‘E’ – “É o inverso!!
Pois notes que sequer tu és presente
E que mesmo sem ti, corre eloqüente
Os intentos contidos neste verso!"
Cabisbaixo, pois, o ‘A’ calou em dor.
Mas o ‘E’, explorando esses revezes,
Reforçou: - “eu, na estrofe anterior,
Apareço exatas vinte e cinco vezes!"
Mas o ‘I’ logo gritou: – “Amigo caro!
Hora após hora aguardando, pois, vivi
Para logo aqui vir mostrar quão raro
São as linhas a não incluir o “I”."
"Veja acima: doze vezes apareço!
Portanto não há dúvida alguma:
O respeito de todos eu mereço,
Porque lá não apareces vez nenhuma!"
Logo ‘O’ acrescentou: – “Mas que empofe!
Pois não notas que sequer estás presente
E que tua falta nenhum de nós a sente
Nos versos tão sonoros desta estrofe?"
"Quinze vezes sou presente aí em cima!
Confira, conte bem, fique à vontade.
Além disso, eu enfeito qualquer rima.
Porque sou o tom da sonoridade."
Mas o ‘U’ interferiu: - “Minhas amigas,
Vou lançar um desafio neste instante
Que, espero, finalize essas brigas,
Por saber qual de nós é importante. "
Vejam como a ausência reunida
De nós todas transforma em bobagem
Mesmo que seja uma lição de vida,
Alterando a essência da mensagem:"
“ V d d f r lm m nst nt s.
m m l q mor n lm d c r nt .
J nt s, t d s s m s mp rt nt s,
P s f rm m s d st v d c rr nt !”
Assim, vamos nos livrar deste estigma
E deixar de nos causar mútuo mal.
Eis aí a solução do meu enigma,
Que é também uma verdade universal:
“A vaidade fere a alma em instantes.
É um mal que mora na alma do carente.
Juntos, todos somos importantes,
Pois formamos desta vida a corrente!”
J.B.Xavier
Vídeo: A revolta da vogal i
terça-feira, 24 de novembro de 2009
Análise do Discurso- Pêcheux
Fazendo referência a Nietzsche, ele diz que “todo fato já é uma interpretação”, demonstrando que não temos a perspectiva de essência de um contato com o objeto ou com o outro sem mediação, seja ela qual for. Assim, a linguagem não pode ser compreendida como um sistema significativo fechado, sem relação com o exterior, devendo ser compreendida a partir do contexto histórico-ideológico dos sujeitos que a produzem e que a interpretam. Pêcheux diz, ainda, que é necessário “suspender a posição do espectador universal como fonte da homogeneidade e interrogar o sujeito paradigmático, no sentido kantiano e também no sentido contemporâneo do termo” (Pêcheux, 1983, p.32). Dessa forma, ele não só rejeita a noção kantiana de sujeito consciente que controla os sentidos que produz, como também relativiza a concepção de sujeito inconsciente, que é disperso, descentrado, como é atualmente entendido em Análise do Discurso. Isto aponta para uma importante questão nessa área, pois, considerando que as relações entre inconsciente e ideologia não estão, hoje, bem delineadas, é preciso que se relativize as relações entre a Psicanálise e a AD, pois quando optamos por trazer conceitos de uma área para outra, precisamos ter em mente até que ponto isso não fere o que é a proposta da disciplina.
Em sua reflexão sobre o discurso como estrutura ou acontecimento, Pêcheux discute diferentes caminhos para a abordagem desta questão. Um primeiro, seria tomar um enunciado e trabalhar a partir dele. Um outro, consistiria, para o autor, em uma questão filosófica; por exemplo, a da relação entre Max e Aristóteles, a propósito da idéia de uma ciência da estrutura. E um terceiro caminho seria o da tradição francesa de Análise do Discurso, como por exemplo, “levantando, na configuração dos problemas teóricos e de procedimentos que se colocam hoje para essa disciplina, o da relação entre a análise como descrição e a análise como interpretação” (Pêcheux,1983, p.17). O autor opta, então, por trabalhar no entrecruzamento desses três caminhos: o do acontecimento, o da estrutura e o da tensão entre descrição e interpretação em Análise do Discurso.
O autor afirma que “todo enunciado é intrinsecamente suscetível de tornar-se outro, diferente de si mesmo, se deslocar discursivamente para derivar para um outro” (Pêcheux,1983, p.53), o que é significativo para a Análise do Discurso, pois o sentido não é compreendido como uma unidade fixa, já que é histórico e, por isso, pode deslizar-se para outro.
Fonte: http://www.unimontes.br/unimontescientifica/revistas/Anexos/artigos/revista_v6_n1/15_artigos_linguagem.htm

segunda-feira, 23 de novembro de 2009
Contradança
Te quero rubra
Te fazes branca
Te quero branca
Te fazes água
Te quero água
Te fazes jóia
Te quero jóia
Te fazes mulher
Te fazes nuvem
Te quero nuvem
Te fazes solo
Te quero solo
Te quero vôo
Te fazes mulher
Te quero brisa
Te fazes vácuo
Te quero vácuo
Te fazes sopro
Te fazes mulher
Te fazes sonho
Te quero sonho
Te fazes pele
Te quero pele
Te fazes cheiro
Te quero cheiro
Te quero rasa
Te fazes poço
Te quero poço
Te fazes seca
Te quero seca
Te fazes doce
Te quero doce
Te fazes mulher
Te quero terna
Te fazes vulcão
Te quero vulcão
Te fazes neve
Te quero neve
Te fazes fogo
Te quero fogo
Te fazes mulher
Te quero fênix
Te fazes cinza
Te quero cinza
Te fazes cheia
Te quero cheia
Te fazes colo
Te quero colo
Me fazes homem

sexta-feira, 20 de novembro de 2009
Dia da Consciência Negra
CONSCIÊNCIA NEGRA

Dos canaviais e senzalas,

quarta-feira, 18 de novembro de 2009
Antoine de Saint-Exupéry
Rosas Brancas

Mikhail Bakhtin: o filósofo do diálogo

Mikhail Bakhtin dedicou a vida à definição de noções, conceitos e categorias de análise da linguagem com base em discursos cotidianos, artísticos, filosóficos, científicos e institucionais. Em sua trajetória, notável pelo volume de textos, ensaios e livros redigidos, esse filósofo russo não esteve sozinho. Foi um dos mais destacados pensadores de uma rede de profissionais preocupados com as formas de estudar linguagem, literatura e arte, que incluía o linguista Valentin Voloshinov (1895-1936) e o teórico literário Pavel Medvedev (1891-1938).
Segundo essa concepção, a língua só existe em função do uso que locutores (quem fala ou escreve) e interlocutores (quem lê ou escuta) fazem dela em situações (prosaicas ou formais) de comunicação. O ensinar, o aprender e o empregar a linguagem passam necessariamente pelo sujeito, o agente das relações sociais e o responsável pela composição e pelo estilo dos discursos. Esse sujeito se vale do conhecimento de enunciados anteriores para formular suas falas e redigir seus textos. Além disso, um enunciado sempre é modulado pelo falante para o contexto social, histórico, cultural e ideológico. "Caso contrário, ele não será compreendido", explica a linguista Beth Brait, estudiosa de Bakhtin e professora associada da Universidade de São Paulo (USP) e da Pontifícia Universidade Católica (PUC), ambas na capital paulista.
Nessa relação dialógica entre locutor e interlocutor no meio social, em que o verbal e o não-verbal influenciam de maneira determinante a construção dos enunciados, outro dado ganhou contornos de tese: a interação por meio da linguagem se dá num contexto em que todos participam em condição de igualdade. Aquele que enuncia seleciona palavras apropriadas para formular uma mensagem compreensível para seus destinatários. Por outro lado, o interlocutor interpreta e responde com postura ativa àquele enunciado, internamente (por meio de seus pensamentos) ou externamente (por meio de um novo enunciado oral ou escrito).
terça-feira, 17 de novembro de 2009
A subjetividade da negação
A subjetividade da negação
Negar, dizer não diante de uma situação ou objeto qualquer para o filósofo
Henri Bergson não é suficiente para considerar a inexistência. Abolir um
objeto ou situação em detrimento da negação é uma operação mental
eminentemente intelectual, o que se passa ao espírito é de outra natureza:
a negação seria uma afirmação entreposta. Então, qual seria o teor desta
afirmação? É sobre a afirmação entreposta que pretendo discutir
rapidamente aqui.
Vou dar um exemplo para ficar mais claro. Ao dizer, este computador é
veloz, minha percepção se volta ao atributo imediato do objeto, a
velocidade do computador, o que se apreende é o objeto, meu olhar tem esta
direção e exterioridade; ao passo que se negar, este computador não é
veloz, o que percepciono são as possibilidades que se abrem ao meu
espírito: o computador é lento, moderado ou outra graduação qualquer. Esta
outra afirmação ou afirmações entrepostas colocam em evidência o
julgamento e não o objeto. As afirmações entrepostas, portanto, são
indeterminadas. Bergson diz que a negação difere da afirmação, na medida
em que é uma afirmação de segundo grau: afirma qualquer coisa em relação a
uma afirmação que por sua vez afirma qualquer coisa em relação a um
objeto.
O que atribui a dimensão subjetiva à negação é, precisamente, o fato de
constatar uma ou várias substituições, e isto só existe como concepção do
espírito, enquanto possibilidades que percepciono. A negação para o
espírito tem um sentido profundo, pois ela mobiliza a memória, e,
sobretudo o desejo de se apoiar no passado que se recorda e um passado que
se imagina, e não havendo diferença entre eles, o espírito chega à
representação do possível em geral. A negação de uma coisa implica na
afirmação latente da sua substituição por outra coisa, a forma negativa da
negação se beneficia da afirmação que está no fundo dela, apoiando-se no
corpo da realidade positiva a que se liga.
Neste processo, a coisa ou qualidade substituída deixa atrás de si um
vazio ou um nada parcial. Este vazio deixado pela coisa substituída
constitui a idéia do nada. Assim, passamos a nossa vida a preencher
vazios, que a nossa inteligência concebe sob a influência do desejo e da
saudade, sob a pressão das necessidades vitais. O vazio pode ser entendido
por uma ausência de utilidade e não de coisas, andamos, pois,
constantemente do vazio para o pleno. É esta a direção da nossa ação.
Esta reflexão sobre Bergson leva-me a retomar uma reportagem de Bernardo
Carvalho sobre a artista inglesa Rachel Whiteread que saiu no jornal Folha
de São Paulo, dia 19 de agosto de 2003 sob o título: O espaço negativo. A
artista é famosa por sua grande idéia que foi justamente dar materialidade
e visibilidade ao espaço negativo, ao que existe entre as coisas, ao vazio
em torno delas.
Em 1993, a escultora encheu de concreto o interior de uma velha casa
operária condenada a demolição numa rua em Bow, na zona leste de Londres.
Quando as paredes caíram, surgiu no interior um bloco cinza compacto,
reproduzindo a forma da casa como um fantasma do que já não existia. O
projeto chamado House ficou em exposição por dois meses e meio e fez da
artista uma celebridade internacional da noite para o dia.
Em 2000, ela inaugurou um outro bloco de concreto, de aspecto monolítico,
num espaço público: o monumento às vítimas do Holocausto, na Judenplatz,
em Viena. O monumento é o molde negativo do avesso de uma biblioteca, como
se as paredes tivessem sido arrancadas de uma sala coberta de estantes,
deixando à vista o fundo das estantes e a parte oposta das lombadas dos
livros, as prateleiras e as bordas das páginas dos livros fechados e
petrificados.
A artista esculpe a falta e o vazio, materializando o espaço entre as
coisas. Rachel Whiteread põe em questão, na sua arte, a própria
possibilidade da representação. Em nosso cotidiano somos incapazes de ver
o avesso das coisas, o espaço negativo, a forma do vazio.
Bergson, no século passado, já formulava os fundamentos de uma
subjetividade negativa, da constituição do nada, do que seria o vazio.
Aprofundou o sentido do nada numa filosofia onde o espírito ganha uma
amplitude maior que o próprio corpo. O nada é uma imagem cheia de coisas,
encerra ao mesmo tempo o sujeito e o objeto. Concluo dizendo que o nada é
um ponto da subjetividade, um ponto onde se realiza a comunicação, onde os
sentidos se materializam, portanto, é pedagógica e social.
Débora Martins de Souza- Doutora em comunicações . universidade de são paulo, USP, Brasil.
Fonte: http://www.eca.usp.br/nucleos/filocom/existocom/artigo3b.html
quarta-feira, 11 de novembro de 2009
Alberto Caiero
sexta-feira, 6 de novembro de 2009
Sereia

SEREIA
quarta-feira, 4 de novembro de 2009
VERDADE- Carlos Drummond de Andrade
A porta da verdade estava aberta,
Chegou-se a discutir qual a metade mais bela.

segunda-feira, 2 de novembro de 2009
Alberto Caieiro

O Meu Olhar
O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de, vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...
Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender ...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...
Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar ...
Amar é a eterna inocência,
E a única inocência não pensar...
sábado, 31 de outubro de 2009
Florbela Espanca

Nunca fui como todos
Nunca tive muitos amigos
Nunca fui favorita
Nunca fui o que meus pais queriam
Nunca tive alguém que amasse
Mas tive somente a mim
A minha absoluta verdade
Meu verdadeiro pensamento
O meu conforto nas horas de sofrimento
não vivo sozinha porque gosto
e sim porque aprendi a ser só...
Florbela Espanca
domingo, 25 de outubro de 2009
Saudades da minha infancia



sábado, 24 de outubro de 2009
O significado do Dragão para o Budismo

No Budismo, o dragão aparece em muitos sutras, livros sagrados budistas.
Todas as manhãs, budistas cantam sutras na cozinha, para oito reis dos dragões: guardiões do Dharma.
Há dragão azul e dragão preto.
Há também o dragão que teve oportunidade de encontrar o momento exato da iluminação. Depois de longa prática, aparece no mundo para que todo mundo possa ve-lo.
Fonte: http://zenbahia.blogspot.com/
Dragões



Os Dragões talvez sejam uma das primeiras manifestações culturais ou mito, criados pela humanidade.
Muito se discute a respeito do que poderia ter dado origem aos mitos sobre dragões em diversos lugares do mundo. Em geral, acredita-se que possam ter surgido da observação pelos povos antigos de fósseis de dinossauros e outras grandes criaturas, como baleias, crocodilos ou rinocerontes, tomados por eles como ossos de dragões.


sexta-feira, 23 de outubro de 2009
Vida Tempo
“Eu acho que a vida anda passando a mão em mim
Eu acho que a vida anda passando a mão em mim
Eu acho que a vida anda passando
Acho que a vida anda passando
Acho que a vida anda
A vida anda em mim
A vida anda
Acho que há vida em mim
Há vida em mim
Anda passando
Eu acho que a vida anda passando
A vida anda passando a mão em mim
E por falar em sexo
Quem anda me comendo é o tempo
Se bem que já faz tempo mas eu escondia
Por que ele me pegava à força
E por trás
Até que um dia resolvi encará-lo de frente
E disse: Tempo, se você tem que me comer
Que seja com o meu consentimento
E me olhando nos olhos
Eu acho que eu ganhei o tempo
De lá pra cá ele tem sido bom comigo
Dizem que ando até remoçando...”
Viviane Mosé
Brincando com as letras

Eu estava brincando.
Eu brincava de esconder com as letras.
Eu brincava de esconder as letras.
Eu estava trabalhando com as letras.
Eu estava trabalhando as letras.
Eu punha um agá na linha
A linha vinha e retirava a letra.
Eu punha uma linha na letra
A letra vinha e retirava a linha
Eu retirava, ela punha.
Nessa peleja cai a linha
A ortho (-) grafia anoitece
Vem a noite
Tece um novo dia.
Pede uma trégua...
A manhã chega cedo,
ditando nova regra.
Não cedo...
O sono insiste
Pesar sobre meus olhos
Cansada, a velha dorme
Eu fiquei acordado
E mesmo sem concordar
Com a sonolência dela
Tento entendê-la
Ela dorme...
Eu a envolvo
Com o lençol de minha insistência
Tiro o chapéu, ponho o chapéu (^)
Tiro o espinho (´) da letra.
Insisto em querê-la
Velha, acordada
Mas não houve acordo
Fiquei acordado
Em desacordo com ela.
Adalberto Antônio de Lima
quinta-feira, 22 de outubro de 2009
I Corintios 13

Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.
E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria.
E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria.
O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece.
Não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita mal;
Não folga com a injustiça, mas folga com a verdade;
Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.
O amor nunca falha; mas havendo profecias, serão aniquiladas; havendo línguas, cessarão; havendo ciência, desaparecerá;
Porque, em parte, conhecemos, e em parte profetizamos;
Mas, quando vier o que é perfeito, então o que o é em parte será aniquilado.
Quando eu era menino, falava como menino, sentia como menino, discorria como menino, mas, logo que cheguei a ser homem, acabei com as coisas de menino.
Porque agora vemos por espelho em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei como também sou conhecido.
Agora, pois, permanecem a fé, a esperança e o amor, estes três, mas o maior destes é o amor
quarta-feira, 21 de outubro de 2009
A amizade para Foucault

Teoria das relações para a amizade: prazer, dessexualização e ascese
A questão que Foucault quer abordar é a da necessidade de se criar uma nova vida cultural frente ao empobrecimento de nosso tecido relacional e afetivo; de se desenvolver produções culturais que tenham por objetivo principal o prazer; de produzir uma cultura de amizades a partir de um devir-minoritário gay, a qual possibilite, mesmo parcialmente, que suas relações sejam transpostas aos heterossexuais, como a qualquer outra categoria (FOUCAULT, 1984b, 2004a, p. 122-123). Para tanto o trabalho não se destinaria às desgastadas lutas por liberação sexual, mas sim a um constante processo voluntário de reflexão e imaginação com a finalidade de nos constituirmos como seres mais suscetíveis, como também mais preocupados com o outro, no campo dos prazeres. Desse modo, em vez de tentarmos liberar o nosso desejo dos grilhões da repressão sexual, “[...] devemos criar prazeres novos. Então, pode ser que o desejo surja” (FOUCAULT, 1984b, online).
Eu penso que temos uma forma de criação, de empreendimento de criatividade, dos quais a principal característica é o que chamo de “dessexualização do prazer”. A idéia de que o prazer físico provém sempre do prazer sexual e a idéia de que o prazer sexual é a base de todos os prazeres possíveis, penso, é verdadeiramente algo de falso.
O que se pode entender com esse processo de dessexualização do prazer é que a sexualidade, mesmo aparecendo constantemente como uma das fontes mais produtivas de nossa sociedade e de nosso ser, não deve ser entendida como uma fatalidade, mas antes como uma possibilidade de se alcançar uma vida criativa (FOUCAULT, 1984b). Com isso, Foucault liberta o prazer do campo normativo da sexualidade e lhe oferece uma abundância de possibilidades de surgimento através da criatividade de qualquer “prática possível”.
Nesse campo suscetível ao surgimento de múltiplas relações inéditas, constituído pela amizade, a existência do poder é inevitável, pois, segundo Foucault, em qualquer relação humana há relações de poder, sendo que quanto mais aberto for o jogo maior será o desejo de determinar a conduta do outro (FOUCAULT, 2004d, p. 276-286). Convém destacar que esse governo da conduta alheia, enquanto relação de poder, não visa a destruição do outro, pelo contrário, considera-o como um sujeito ativo que tem sempre a possibilidade de fuga, resistência, luta e inversão da situação (FOUCAULT, 1995a, p. 243). Entretanto, há casos em que as relações de poder podem se tornar saturadas de tal forma que a mobilidade entre as estratégias desaparece:
Quando um indivíduo ou um grupo social chega a bloquear um campo de relações, a torná-las imóveis e fixas e a impedir qualquer reversibilidade do movimento – por instrumentos que tanto podem ser econômicos quanto políticos ou militares –, estamos diante do que se pode chamar de um “estado de dominação” (FOUCAULT, 2004d, p. 266, grifo nosso).
Toma destaque, então, a questão de como evitar que tais fatos de dominação apareçam na amizade. Como vimos, Foucault acredita que possa surgir uma ética a partir de um modo de vida, de maneira que, seguindo tal pensamento, seria lógico acreditarmos na existência, a partir da amizade, de éticas que levem em consideração o prazer alheio. Todavia, essa preocupação com a satisfação do outro seria um impeditivo suficientemente capaz de barrar o aparecimento de estados de dominação? A resposta para esse problema parece estar no modo como agimos dentro das relações de poder que experimentamos todos os dias, uma vez que, para Foucault, deveríamos agir de maneira bastante prudente e empírica, atentos a todos os detalhes, pois o que separa tais relações dos estados de dominação é uma linha extremamente emaranhada e nebulosa (FOUCAULT, 2004e, p. 223). Em adição a isso, caso sejam encontrados pontos de dominação, faz-se necessário ter sempre em mente um princípio crítico [vii] que questione a necessidade, para a estratégia em questão, da existência de tais focos de não-consensualidade.
É importante esclarecer que essa preocupação com a presença de focos de não-consensualidade, ou mesmo de dominação, não exclui da amizade a existência de conflitos, pelo contrário, estes são extremamente significativos para tal modo de vida. Nele, há um campo fecundo aos embates de idéias, os quais não buscam alcançar uma verdade universal, mas permitir a consideração de múltiplos pontos de vista com a finalidade de colher material a ser refletido e, posteriormente, utilizado na incessante criação do Si.
A amizade [...] [é] a afirmação de existências livres. Os amigos vivem pelas suas diferenças. Não são espelhos para os outros, identidade coletiva ou ideal, fusão numa unidade superior. Os amigos livres são seus principais inimigos, não deixam as coisas sossegadas, como se houvesse um patamar acima a ser atingido onde residem o equilíbrio, a doçura e as delicadezas obrigatórias (PASSETTI, 2003, p. 12).
Dessa maneira, o que se enfoca não é o apego a formas de identidade com características em comum, mas sim um esforço para a compreensão e aceitação do outro como diferença inquietante. Como sugere Nietzsche (2006, p. 56-57): “é preciso honrar no amigo o inimigo. [...] No amigo deve ver-se o melhor inimigo”. Não se deve buscar encontrar no amigo um reforço para sua identidade, mas, pelo contrário, material para transformação e criação do Si.
Como pôde ser observado, toda a amizade foucaultiana é permeada por certo fator de conflito; de inovação, experimentação, diferenciação; de reflexão, trabalho e afirmação de si enquanto força criativa – ou seja, por uma certa atitude ativa frente às condições atuais em que vivemos. Essa postura não passiva, esse modo de ser encontrado na amizade, pode ser entendido como aquilo que Foucault chamava de “atitude de modernidade”.
Por atitude, quero dizer um modo de relação que concerne à atualidade; uma escolha voluntária que é feita por alguns; enfim, uma maneira de pensar e de sentir, uma maneira também de agir e de se conduzir que, tudo ao mesmo tempo, marca uma pertinência e se apresenta como uma tarefa. Um pouco, sem dúvida, como aquilo que os gregos chamavam de êthos (FOUCAULT, 2005b, p. 341-342, grifo do autor).
Trata-se de certa maneira de se conduzir consistente em um permanente trabalho crítico sobre nossos próprios limites e que se dá através de uma ontologia crítica de nós mesmos, aliado a uma intensa experimentação.
O trabalho realizado nos limites de nós mesmos deve, por um lado, abrir um domínio de pesquisas históricas e, por outro, colocar-se à prova da realidade e da atualidade, para simultaneamente apreender os pontos em que a mudança é possível e desejável e para determinar a forma precisa a dar a essa mudança (FOUCAULT, 2005b, p. 348).
Como ferramenta de extrema valia em tal processo, toma destaque o modo como Foucault considerava a Filosofia – “uma ‘ascese’, um exercício de si, no pensamento” (FOUCAULT, 1984a, p. 13). De fato, o pensador ligava as questões relativas à construção dos modos de vida, como o modo gay, a uma maneira prática de se entender a necessidade da filosofia:
[...] o que é filosofar hoje em dia – quero dizer, a atividade filosófica – senão o trabalho crítico do pensamento sobre o próprio pensamento? Se não consistir em tentar saber de que maneira e até onde seria possível pensar diferentemente em vez de legitimar o que já se sabe? (FOUCAULT, 1984a, p. 13).
Tal ponto de vista acerca da filosofia não é recente, tendo sido o mesmo corrente entre os antigos gregos, helenísticos e romanos, para os quais a filosofia significava um permanente exercício de transformação de si durante toda a vida daqueles que quisessem alcançar a verdade, bem como a única capaz de dirigir o pensamento (FOUCAULT, 1984a, 1985; ORTEGA, 1999).
Nessa ascese, o material a ser trabalhado, através de uma intensa atitude experimental, seria o pensamento.
A filosofia é o deslocamento e a transformação das molduras de pensamento, a modificação dos valores estabelecidos, e todo o trabalho que se faz para pensar diferentemente, para fazer diversamente, para “tornar-se outro do que se é” (FOUCAULT, 1994, p. 143, grifo nosso).
Evidencia-se, com isso, a importância que Foucault atribui ao pensamento no que tange à ascese, uma vez que esse se situaria como o principal instrumento-efeito do trabalho de si sobre si. Seria, através da filosofia que poderíamos confrontar o que somos e fazemos com o que pensamos e dizemos, refletir sobre aquilo que acreditamos, transformar nossos pensamentos, enfim: questionar e elaborar de forma diversa aquilo que somos. E é este o ponto que acreditamos ser o elo entre a estética da existência presente na Antiguidade e a amizade para Foucault – “a noção de filosofia como ascese interligada a sua noção de amizade”.
Com efeito, podemos compreender tal afirmação seguindo um encadeamento lógico de algumas importantes considerações. Em primeiro lugar, Foucault acredita que a ética é uma prática, a “prática refletida da liberdade” (FOUCAULT, 2004d, p. 267); em segundo, que o modo como pensamos hoje em dia é influenciado por uma tradição de racionalidades que se coaduna ao biopoder e, por isso, a solução para questionarmos e modificarmos o regime de verdade de nossa época estaria no exercício “crítico e reflexivo” do pensamento sobre seus próprios parâmetros – tarefa da filosofia; e por fim, amarrando a linha de raciocínio, que há a necessidade de uma consonância entre atos e palavras, isto é, entre ética e política – o que explica a declaração de Foucault de que a chave da atitude política pessoal de um filósofo deva ser procurada em sua “filosofia como vida, em sua vida filosófica, em seu êthos” (FOUCAULT, 2004e, p. 219, grifo do autor) e não em suas idéias. Por tudo isso, torna-se evidente que a amizade foucaultiana utiliza-se da filosofia como um exercício de si no pensamento para constituir-se como um modo de vida e de relações que escapa constante dos processos de institucionalização e restrição do tecido relacional impostos pelo biopoder subjetivante. É devido a essa ascese filosófica do pensamento que a amizade exerce seu potencial de ruptura do instituído e de desenvolvimento de inéditas criações culturais com suas implicações ético-políticas.
Na amizade, trata-se justamente do desenvolvimento de relações que ultrapassem quaisquer categorias, sejam elas de gênero, idade, classe social, etc., uma vez que é por meio da normalização e compartimentalização das relações que o biopoder restringe e captura os processos de subjetivação.
Com tudo isso, após seguirmos a empreitada foucaultiana direcionada à busca por modos de vida mais autônomos, podemos caracterizar a amizade como sendo uma forma de se relacionar, uma maneira ou estilo de ser e de se conduzir, buscada voluntariamente por alguns, que traz consigo um modo de pensar, sentir, agir que não menospreza a atualidade. Esse êthos filosófico busca constantemente analisar e refletir sobre os limites que determinam o que somos, pensamos e fazemos, ao mesmo tempo em que, permanentemente, experimenta o atual com o intuito de descobrir onde podem surgir os novos focos de processos de subjetivação. Sendo por isso que a amizade é considerada como uma estratégia de resistência extremamente perigosa para o biopoder subjetivante, uma vez que contradiz e combate diretamente a individualidade padronizada imposta por essa específica forma de poder.
Na amizade, através do elogio ao prazer, multiplicam-se os campos de possibilidade de relacionamentos e, conseqüentemente, de surgimento de novas subjetividades. A amizade, por isso, é a expansão das relações, de qualquer relação, para além de suas supostas codificações. Esse conceito de amizade não é muito difícil de realizar, porque o que mais há são as relações que não se enquadram. Elas são até mais numerosas de que as relações codificadas. O difícil é percebê-las, pois são mais provisórias do que as outras que julgamos a “verdadeira amizade”. Provisórias, não no sentido de pouco duradouras; provisórias porque elas acontecem de costume num corpo a corpo com as outras, à sombra daquelas mais codificadas e estabelecidas.
invenção de modos de vida, sem a qual nossa existência ética teria de se render aos valores estabelecidos.
Uma relação de amizade não se deve àquilo que deriva dos indivíduos envolvidos, mas dos feixes de relações que atravessam um e outro, relações de ordem biológica, social, econômica, histórica, etc. Tornarmo-nos sujeitos demanda, portanto, toda uma implicação de linhas que formam o tecido relacional, logo, em certo sentido, é correto dizer que as relações através das quais somos compostos, por exemplo, como amigos, são exteriores às duas pessoas que, por meio delas, se tornam amigas. Cada amizade, envolva ela um ou “n indivíduos”, sempre traz consigo um emaranhado de mundos que não pertencem e nem podem ser controlados por nenhum dos envolvidos. Por isso, as relações são sempre exteriores aos termos que elas relacionam (DELEUZE, 1953, p. 109).
Mas, como relações podem ser exteriores e por que seu efeito pode ser a diferenciação ou criação de novos modos de vida?
Pode-se afirmar, aos nos referirmos a uma relação, que um terceiro indivíduo aparece. “Ele” tem vida própria, pois é exterior aos amigos dos quais provém, sendo que a amizade pode ser entendida como um novo “corpo” que se autopõe e que os amigos devem nutrir e manter. Esse terceiro é o corpo do “fora”, ele não está entre os próprios elementos interligados, é a própria relação. Isso quer dizer, para reforçarmos uma idéia anteriormente enunciada, que o essencial de uma amizade, seu destino, depende dessa exterioridade, pois não pertence nem a um nem a outro dos amigos. A amizade sempre está “entre”.
Espaço Michel Foucault
terça-feira, 20 de outubro de 2009
Zine Lapa
É preciso mudar o referencial, a condução, o verbo.
É preciso provocar incêndios - atormentar os sentidos.
É preciso arte - conteúdo - é preciso isso tudo e muito mais!
Zine Lapa
Mario Quintana

que o vento não conseguiu levar:
um estribilho antigo
um carinho no momento preciso
o folhear de um livro de poemas
o cheiro que tinha um dia o próprio vento...

Amor e Amizade

Perguntei a um sábio,
a diferença que havia
entre amor e amizade,
ele me disse essa verdade...
O Amor é mais sensível,
a Amizade mais segura.
O Amor nos dá asas,
a Amizade o chão.
No Amor há mais carinho,
na Amizade compreensão.
O Amor é plantado
e com carinho cultivado,
a Amizade vem faceira,
e com troca de alegria e tristeza,
torna-se uma grande e querida
companheira.
Mas quando o Amor é sincero
ele vem com um grande amigo,
e quando a Amizade é concreta,
ela é cheia de amor e carinho.
Quando se tem um amigo
ou uma grande paixão,
ambos sentimentos coexistem
dentro do seu coração.
William Shakespeare
