
Jacques Lacan nasceu em 1901. Seria preciso apenas vinte e cinco anos para que começassem a despontar no palco do mundo os efeitos desse nascimento. Após 1920, Freud introduziu o que irá chamar de segunda tópica: uma tese que torna o “eu” (ego) , uma instância reguladora entre o “isso” (id- fonte das pulsões), o supereu (superego- agente das exigências morais) e a realidade (lugar onde se exerce a atividade). Pode surgir, no neurótico, um reforço do eu, para “harmonizar” essas correntes, como uma finalidade de tratamento. Ora, Lacan faz sua entrada no meio psicanalítico com uma tese completamente diferente: o eu, escreveu ele, constrói-se à imagem do semelhante e primeiramente da imagem que me é devolvida pelo espelho- este sou eu. O investimento libidinal desta forma primordial, “boa”, porque supre a carência de meu ser, será a matriz das futuras identificações. Assim, instala-se o desconhecimento em minha intimidade e, ao querer forçá-la, o que irei encontrar será um outro; bem como uma tensão ciumenta com esse intruso que, por seu desejo, constitui meus objetos, ao mesmo tempo em que os esconde de mim, pelo próprio movimento pelo qual ele me esconde de mim mesmo. É como outro que sou levado a conhecer o mundo: sendo, desta forma, normalmente constituinte da organização do “je” (eu inconsciente, Isso, Id), uma dimensão paranóica. O olhar do outro devolve a imagem do que eu sou. O bebê olha para a mãe buscando a aprovação do Outro simbólico.O artigo “O Estádio do Espelho como formadora da Função do ‘jé’” foi apresentado, em 1936, ao Congresso internacional de psicanálise, sem encontrar outro eco senão o toque de campainha de E.Jones, interrompendo uma comunicação demasiado longa. Sua reapresentação em Paris, em 1947, não suscitou maior entusiasmo. O termo “Estádio do Espelho” teria sido inventado por Henri Wallon entretanto Lacan apresentou com uma outra forma. Ele apresenta iniciando com um mito e apóia-se na idéia de que o ser humano é um ser prematuro no nascimento com uma incoordenação motora constitutiva.A idéia é que o bebê só conseguirá encontrar uma solução para tal estado de desamparo por intermédio de uma “precipitação” pela qual ele “antecipará” o amadurecimento de seu próprio corpo, graças ao fato de que ele se projeta na imagem do outro (figura materna) que se encontra como que por milagre diante dele. Essa precipitação na imagem do outro, é que leva o bebê sair da sua prematuração neonatal, sendo que este movimento de precipitação, neste outro, leva o bebê a uma alienação. O bebê tem (é obrigado) a se “alienar” para que se constitua um “sujeito”.O “falo” (falus, falta) da mãe é completado com o nascimento do filho. A mãe deseja ter um filho (lhe dá um nome), engravida. Reconhece que seu filho é um ser humano e este chora porque está com fome e lhe dá o “Objeto seio” para a satisfação do bebê no prazer da oralidade (leite/alimento e a catexia da libido oral) passando o bebê da natureza (instinto-animal) para a cultura (pulsão-homem). Estabelece uma “linguagem” com o “simbólico” mãe. Este passa por um processo de “alienação” para se constituir como sujeito. Com o fim da fase oral (canibalesca 0 a 1,5 anos). O bebê antes do “Estádio do Espelho” (6 meses a 18 meses) não se vê como um corpo unificado, se sente como um corpo fragmentado. Sua mãe/seio faz parte dele e ela (mãe, “boca do jacaré”) sente como se ele (filho/falo) fosse parte dela.Com o princípio prazer/desprazer verificamos que a energia é maior no desprazer, o bebê busca o prazer através do seio materno (leite e libido oral). Porém só quando o bebê perde o objeto do seu desejo (mãe/seio) é que ele verifica que sua mãe não faz parte do seu corpo e não é completa (completude). Esta perda/separação vem através do “Significante Nome do Pai” que são as leis e limitações naturais da vida (trabalho, individualidade, necessidades outras, etc.). Chamamos “boca do jacaré ou crocodilo” o desejo da mãe de possuir (comer, canibalizar) o seu filho como se fosse parte do seu corpo. Este desejo natural coloca o filho em uma situação de escolha definitiva : ou se torna independente pela falta da mãe se transferir para o filho e se tornar um “sujeito faltante” ou é engolido pela “boca de jacaré” da mãe e se torna um “altista” ou um doente mental, fragmentado sem unidade, dependente da mãe. Quando a criança se torna uma psicótica a figura materna não o reconheceu como ser humano e não aconteceu a alienação com separação. Esta escolha, na verdade não é uma escolha. Lacan cita um relato da escolha que mostra esta situação, de uma ameaça de um ladrão onde ele pergunta : “Ou a bolsa ou a vida”. Na verdade não seria uma pergunta, seria uma escolha lógica e única: “Você perde a bolsa e ganha a vida” ou “Perde a bolsa e perde a vida”. O bebê na grande maioria das vezes escolhe ser um “sujeito faltante” ou um “sujeito neurótico normal”, todos nós.A alienação tem o sentido de que o bebê não tem uma unificação, e ele constitui como sujeito devido ao resultado do efeito que esse outro (mãe) tem no bebê. Nessas condições, o bebê (eu, sujeito), é senão a imagem do outro. É no outro e pelo outro que aquilo que quero me é revelado. Meu desejo é o desejo do outro. Não sei nada de meu desejo, a não ser o que o outro me revela. De modo que o objeto de meu desejo é o objeto do desejo do outro. O desejo é, acima de tudo, uma seqüela dessa constituição do eu no outro. O “sujeito”, que define a alienação constitutiva do ser, no encontro com o espelho, verifica o “rapto” que esse outro opera nele. É no espelho que a criança vê seu corpo unificado, deixando de ser fragmentado. No espelho a criança vê que ele existe e não é o Outro (mãe), existindo duas pessoas distintas. Neste momento identifica a “falta”, a separação da mãe e a constituição do “sujeito faltante”.No sujeito humano se produzem substituições de posição que fazem com que , a partir do momento em que começa a falar, o sujeito já não é como antes. O ser humano é constituído, de saída por uma dívida., que não foi ele que a contraiu, embora tenha que pagá-la. No entanto, foi nas gerações precedentes que ela foi contraída; o destino do ser humano é absorver as dívidas do Outro, substituir o Outro para pagar a dívida em questão. O sujeito neurótico paga uma dívida que não contraiu, uma dívida contraída pelos outros, que o antecipa em sua história. Quando realizamos uma análise, pela primeira vez, não vemos o discurso do Outro, ou o que o Outro queria ou via em nós.Conseguimos inserir nosso problema inicial, essa história de alienação no outro, conseguiremos, ao torna-la “simbólica”, ao torná-la um processo histórico constituído pelo e no “Outro”, inseri-la na linguagem; por conseguinte, pensamos poder encontrar uma saída para a repetição da dívida, e poder encontra-la na “fala”. Na fala encontraremos a saída para a “repetição da dívida”. O inconsciente é o lugar onde se encontra a dívida, na medida em que substituímos um Outro que a contraiu por mim. Sendo que o “desejo”, que é o “desejo do Outro”, definirá os caminhos que o Outro me prescreveu. O inconsciente é o discurso do Outro, na medida que o sujeito humano é efeito da linguagem, isto é, efeito de uma dívida constitutiva.Quando queremos ler Lacan, é necessário reconstituir os elos faltantes no que ele escreve, se não quisermos deixar-nos levar pela parcela de dissimulação que sua escrita comporta. Lacan reinterpretou o esquema lingüístico de Ferdinand Saussure e utilizou a teoria do “só-depois” para saber ler Freud. A criação do significante (e do significado, por conseguinte) residia no corte de elemento distinto, que separando sons e pensamentos, engendrava o signo. É a criação de “cortes” que produz a ordem Significante e Lacan chamaria estes de “ponto de basta” com a operação do “Nome-do-Pai” (As leis da cultura: trabalho, obrigação, corte, etc. É o Significante do Nome do Pai).Outros conceitos foram desenvolvidos por Lacan que só com o tempo, “paciência” e sem medo de aprender novos termos que vamos nos acostumamos. Se existe um mais-além da demanda; que a demanda é dirigida ao Outro; que o próprio Outro demanda, mas que há um mais-além dessa demanda. Esse além assumiu o nome próprio de “desejo”. Esse desejo, em Lacan, foi o nome próprio assumido pelo mais-além da demanda. O mais-além da demanda foi interpretado como o significante. O significante inconsciente, que marca o desejo do Outro é a “pulsão”. Este salto foi fundamental pois “apagou” efetivamente a problemática do mais-além e passou a dissimula-la por completo.
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